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A história do mico-leão-dourado, um dos símbolos da complexa relação entre homens e natureza

Um dos bichos que mais simbolizam o clamor que envolve a questão ambiental, aqui no Brasil, é o mico-leão-dourado. Nas décadas de 70/80, quando, como hoje, as opiniões se dividiam em “contra” e “a favor”, era comum ouvir discursos inflamados de pessoas argumentando que havia “assuntos mais urgentes” do que “salvar o mico leão dourado”.

O “outro lado” se defendia e resistia. Enquanto isto, o bicho tentava sobreviver no seu habitat, a Mata Atlântica, que ia sendo devastado dia a dia por práticas extrativistas, um saque desenfreado para alimentar os ciclos econômicos, do pau Brasil ao gado, passando pelo café e outros.

No fim das contas, o mico-leão-dourado é um sobrevivente. Para nós, aqui no Sudeste, um símbolo de resistência da biodiversidade. Para o país, um animal a mais que conseguiu escapar da sanha antropocentrista. Para o mundo, é uma ajuda a conter um pouco as emissões de carbono, já que o mico-leão-dourado come e espalha sementes, é um polinizador.

A história deste pequeno animalzinho, chamado de sauí-piranga pelos índios, e de como ele saiu da categoria de “criticamente em perigo de extinção” para “em perigo de extinção” segundo a União Internacional para Conservação da Natureza é contada no livro “A Mata Atlântica e o Mico-leão-dourado”, com textos de Crisina Serra, fotos de Haroldo Palo Jr, que será lançado pela Andrea Jakobsson Estúdio no dia 5.

E serve bastante para alimentar reflexões sobre nossos tempos. Hoje começa, em Madri, a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP 25), convocada pela ONU, um palco para o debate sobre novos paradigmas. Nada vai, de fato, ser diferente, se a relação do homem com a natureza que o cerca não for de outra ordem.

Com registros históricos bem interessantes, o livro vai mostrando, a um olhar atento, que esta relação, de subjugação do animal pelo homem, aqui no Brasil vem dos primórdios. Coube a Antonio Pigafetta, cronista da expedição de Fernão de Magalhães, em 1519, observar a rica diversidade da fauna brasileira, inclusive dos “gatos-mamões”, expressão usada na Europa para definir pequenos macacos.

Cinco ou seis décadas depois, nosso micos foram parar na Europa, a servir como mascotes exóticos para a nobreza, como se pode observar nas fotos do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que capturou com maestria os modos de vida da corte.

“O tráfico de animais silvestres para o velho mundo começou tão cedo quanto a exploração e o comércio do chamado ‘pau de tinta’, o nosso pau-brasil”, escreve Serra.

Globo Natureza: mico-leão-de-cara-dourada
Globo Natureza: mico-leão-de-cara-dourada

É claro que era muito penoso para os bichos fazerem a longa travessia do Atlântico em condições inóspitas, alimentando-se mal, bebendo pouca água, confinados em gaiolas. E é claro, também, que muitos não sobreviviam. Mas, quem se importava?

Por sorte, os animaizinhos encontraram pela frente pessoas que, de fato, começaram a se incomodar. O que primeiro chamou a atenção dos ambientalistas foi a devastação da Mata Atlântica, habitat natural dos micos-leões-dourados.

Começou cedo, o saque. Como não conseguiram achar aqui, à primeira hora, o que queriam – ouro e outros metais preciosos – os portugueses colonizadores se contentaram em derrubar árvores, tirar palmitos de palmeiras, até conseguirem achar um outro bem precioso, o pau-brasil, cuja exportação serviu para sustentar muito os luxos da Coroa.

“As pressões sobre a floresta seriam constantes e cumulativas, com os ciclos econômicos subsequentes da cana-de-açúcar e do gado no século XVII. No Rio de Janeiro, que nos interessa particularmente para a história do mico-leão-dourado, as duas atividades se expandiram ao longo da costa, exatamente a área de ocorrência da espécie”, diz o texto.

Hoje a Mata Atlântica continua sendo uma das áreas mais ricas em biodiversidade do planeta e, ao mesmo tempo, uma das mais ameaçadas. Aqui vivem mais de vinte mil espécies de plantas e mais de duas mil espécies de animais vertebrados. Ao mesmo tempo, segundo a pesquisadora, das 633 espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, 383 ocorrem na Mata Atlântica. Uma delas é o mico-leão-dourado.

Morto em 2016, o zoólogo e historiador cearense Adelmar Faria Coimbra Filho começou a obra de preservação da espécie, num sítio em Itaguaí, na parceria com Alceo Magnanini, amigo de juventude que hoje tem 93 anos. Os dois conseguiram criar, em 1974, sob o governo de Garrastazu Médici, a primeira reserva biológica brasileira, a Rebio de Poço das Antas, no município de Silva Jardim. Nessa época, não tinha mais do que 200 micos-leões nos poucos pedaços de Mata Atlântica que ainda restavam depois de tanta exploração.

Estudiosos abnegados, do Brasil e do exterior, abraçaram a causa e muitos desafios foram sendo, aos poucos e com muita dificuldade, transpostos. Em 2001, nasceu o milésimo mico-leão-dourado na natureza. No ano seguinte, o governo federal aumentou o status de proteção da Mata Atlântica, criando a Área de Proteção

Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-leão-dourado, com 150 mil hectares. Até 2025 o objetivo é atingir uma população mínima de dois mil animais vivendo livremente em 25 mil hectares de florestas conectadas e protegidas. O censo de 2014 encontrou 3.200 animais vivendo em liberdade.

Para isso, a população de Silva Jardim foi chamada a ajudar. As pessoas estão recebendo informações sobre os hábitos do bicho e sua importância para a nossa própria sobrevivência no planeta. Em 1989, o mico-leão-dourado foi até enredo de escola de samba. E em 2002 passou a estampar a nota de R$ 20. Será um símbolo da paz entre homens e micos-leões-dourados?

Não temos esta resposta ainda. Mas, com certeza, o trabalho dos pesquisadores e biólogos poderia estar entre os muitos que serão apresentados no Laboratório de Resiliência, evento paralelo à COP 25, em Madri. Naquele espaço serão mostradas iniciativas mundo afora que conseguem construir resiliência aos impactos adversos causados pelas mudanças climáticas.

No caso do mico-leão-dourado, a resiliência tem que ser à própria ação direta do homem, o que torna a tarefa ainda mais instigante, complexa. A questão é, como também está posto na Floresta Amazônica, que poucos decidem por todos acabar com o habitat natural de bichos e plantas em nome do lucro.

Que esta reunião de cúpula em Madri sirva para mudar, ao menos, um pouco, este quadro.

Por G1

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