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Nadando no lixo: francês está cruzando, a nado, o maior lixão dos mares

juscelino dourado

JORGE DE SOUZA –

Em dezembro do ano passado, o nadador francês naturalizado americano Ben Lecomte, de 51 anos, precisou desistir da inédita travessia que vinha fazendo no Oceano Pacífico a nado por um problema que não teve nada a ver com sua capacidade para encarar aquele desafio monumental: seu barco de apoio quebrou e a travessia teve que ser abortada quando ele já havia cumprido dois terços do caminho e se aproximava do Havaí.

Na ocasião, apesar da decepção, o supernadador não saiu da água totalmente frustrado, porque um novo projeto brotara em sua mente, justamente enquanto ele nadava: voltar a nadar no Pacífico, mas numa área específica, a da maior concentração de lixo plástico do mundo, que fica entre o Havaí e a Califórnia.

“Enquanto eu nadava, vi tanto lixo e plástico no mar que conclui que a melhor maneira de ajudar a chamar a atenção das pessoas para a gravidade desses dois problemas seria nadar no maior lixão oceânico do planeta”, disse o nadador.

E é isso que Lecomte está fazendo neste exato instante.

Em 14 de junho último, ele partiu do mesmo ponto onde terminou precipitadamente sua épica jornada anterior, com o objetivo de atravessar, a nado, a área que é tida como a de maior concentração de lixo e resíduos plásticos de todos os oceanos. Lecomte quer sentir o problema, literalmente, na pele.

“Na travessia do Pacífico, cansei de esbarrar em peças plásticas na superfície e ver grandes emaranhados de redes de pesca abandonados no meio do mar e é isso que nossa expedição irá registrar e tentar mensurar”, disse Lecomte antes de começar sua bisonha travessia, que é acompanhada de perto por um barco de apoio, onde vão dez voluntários e pesquisadores do projeto, e onde ele descansa após os turnos de horas seguidas nadando.

“Nossa missão não é recolher o lixo, porque para isso seriam necessários navios tal a quantidade de lixo na água, mas sim mensurar o problema, através de medições da quantidade de micropartículas de plásticos a cada captura que fazemos com uma espécie de rede que levamos no barco”, explicou o nadador, que acaba de completar dois terços da travessia, que, no total, terá mais de 550 quilômetros.

Até aqui, entre outros absurdos, Lecomte e equipe já encontraram escovas de dente e tampas de privada no meio do oceano, incontáveis tampinhas de garrafas pet, um cesto de lavanderia coberto de cracas (sinal de que estava no mar há muitos anos), diversas boias marítimas e uma inacreditável quantidade de redes de pesca abandonadas no mar – as chamadas “redes fantasmas” – que mesmo fora de uso continuam capturando e matando peixes e demais seres marinhos que nelas se enroscam.

“A equipe também capturou um peixe da espécie dourado, que, ao ser aberto, revelou inúmeros pedacinhos de plástico no estômago.

Este é o maior problema da questão do lixo plástico nos mares: os microplásticos, que geralmente não são visíveis, mas acabam sendo engolidos pelos peixes e tartarugas, que os confundem com comida.

“As peças maiores, como garrafas pet, costumam chocar mais as pessoas, porque mostram a quantidade absurda de lixo que já há nos oceanos, mas são as minúsculas partículas do plástico que já se decompôs na água que representam o verdadeiro risco para a fauna marinha, porque são letais ao serem engolidas”, explica o nadador.

Logo no primeiro dia, quando Lecomte ainda nadava em águas havaianas, ele encontrou uma grande rede de pesca abandonada no mar e a captura de amostra da água revelou 95 partículas de microplásticos em apenas meia hora de coleta – número que, depois, subiria para mais de 500 partículas na parte mais crítica do chamado “Lixão do Pacífico”, onde Lecomte se encontra neste momento (veja a posição atual do nadador e o caminho que ele já percorreu).

Segundo pesquisadores, a cada ano, oito milhões de toneladas de lixo plástico vão parar no oceano Pacífico, levados, sobretudo, pelos rios que nele deságuam. Mas o que é visto boiando na superfície representa apenas 1% disso.

“99% dos resíduos plásticos que poluem os mares estão submersos ou transformados em micropartículas, que se tornam fatais para os seres marinhos ao serem ingeridas”, diz o cientista ambiental Markus Eriksen. “O que vemos na superfície é só a pontinha do iceberg”.

Mesmo assim, o pesquisador é otimista.

“Ainda dá tempo de fazer algo e reverter este quadro. Mas é preciso agir rápido e convencer as pessoas de todo o planeta de que sempre que elas descartam lixo fora dos locais apropriados, ele vai parar no mar, levado pelas enchentes, pelas tubulações e pelos rios. Este hábito precisa mudar”.

Os mais pessimistas, no entanto, vêem a questão com outros olhos, bem mais alarmantes.

Segundo eles, em 2050 (portanto, daqui há apenas 31 anos), haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos. E é quase isso que o nadador francês já está encontrando no ponto do Pacífico onde ele está nadando.

“Aqui, o mar parece uma sopa de resíduos plásticos, que não dissolvem tão rápido quanto o resto do lixo. Não passo mais de meia hora na água sem esbarrar em sacolinhas plásticas e outras porcarias. E isso a mais de 1000 quilômetros da costa”, diz o nadador, que está nadando há mais de 50 dias e já venceu 350 dos 550 quilômetros previstos.

A razão pela qual essa monumental quantidade de plástico se concentra naquele ponto específico do Pacífico tem a ver com as correntes marítimas.

Ali, diversas correntes se encontram e ficam dando voltas sem parar, no chamado Giro do Pacífico, uma espécie de corrente marítima circular.

Por conta dessa característica, aquela parte do Pacífico virou uma espécie de gigantesco redemoinho, concentrando a maior parte da sujeira do oceano, sobretudo o plástico, que leva décadas para começar a se degradar na água.

Uma garrafa de plástico lançada ao mar na costa da Califórnia irá chegar ao litoral do Japão, do outro lado do Pacífico, num prazo estimado entre três e cinco anos. E após outro período igual a esse, retornará ao mesmo ponto, dando início a um novo giro. E assim indefinidamente.

Por ficar eternamente girando no oceano, o ciclo do lixo no Pacífico não termina nunca. E o plástico, que compõe a grande maioria dele, praticamente também não. “O plástico foi feito para desafiar a natureza”, lamenta um ambientalista da equipe de Lecomte.

Esta perversa característica das correntes marítimas da região foi descoberta, por acaso, em 1990, quando um navio deixou cair um container com 65 000 pares de tênis no meio do Pacífico. Embora o container tenha espalhado sua carga no mar, nenhum tênis jamais chegou à costa, por conta das correntes circulares. E estão lá até hoje.

Segundo a oceanógrafa Sarak Royer, da Universidade do Havaí, plásticos que foram parar no mar quando do início da popularização deste material, na década de 1950, ainda seguem boiando no Pacífico ou (o que é ainda pior) transformados em micropartículas, com efeito fatal para os seres marinhos.

“É como se o ar que respiramos estivesse impregnado de partículas toxicas”, compara a oceanógrafa. “É isso o que a humanidade está fazendo com os peixes, baleias e tartarugas, ao permitir que o lixo plástico chegue ao mar”.

Na semana passada, enquanto nadava, Lecomte viveu uma experiência diferente e algo assustadora. Ao parar para livrar alguns peixes ainda vivos que estavam presos numa rede abandonada, surgiu um tubarão, que abocanhou os animais a pouca distância dele.

“Sempre vejo tubarões quando estou nadando em alto mar, mas jamais fui atacado”, diz o nadador, que explica a razão da inusitada travessia que vem fazendo há quase dois meses: “Estamos coletando dados para a criação do primeiro levantamento realmente prático da poluição marinha causada pelo plástico”, explica o nadador, cuja equipe também está aplicando sinalizadores de GPS nos objetos maiores que encontra no mar.

“Também queremos saber exatamente como o lixo navega no Pacífico”, diz Lecomte, que tem no currículo outras façanhas incríveis, como a travessia do Atlântico, também a nado, em 1998.

Na ocasião, contudo, seu feito foi bastante questionado, porque, enquanto Lecomte descansava no barco de apoio, a embarcação seguia navegando, o que encurtou barbaramente a distância que ele efetivamente nadou (conheça esta história).

Já na travessia seguinte, a do Pacífico (que, agora, se transformou numa mistura de aventura com experimento científico), isso não mais acontece. Lecomte garante que irá vencer os mais de 550 quilômetros do maior lixão dos mares, literalmente, no braço.

A previsão é que a curiosa travessia termine no início do mês que vem.

Até lá, muito lixo ainda irá passar sob os braços do supernadador.

Fotos: Divulgação/The Longest Swim



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