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‘Fogo é um agente de rápida destruição da floresta’, diz especialista em recuperação de áreas degradadas

Por Amelia Gonzalez

dia virou noite em São Paulo na segunda-feira (19) por causa de uma condição das mais inóspitas, com a chegada de uma frente fria e as queimadas na Amazônia. A situação é crítica. Prefiro, neste texto, deixar de fora as querelas políticas que levam o presidente Bolsonaro a creditar a ONGs e governadores os atos criminosos, e pensar em como se pode fazer para restaurar os cerca de 52 milhões de hectares no Brasil que já estão degradados, não só pelo fogo como por técnicas agressivas como uso de agrotóxico, gado, maquinária.

Noni Bazarian, dona do Sítio Amaranto, produtora agroflorestal, bióloga, doutora em Ecologia da Restauração de Florestas Tropicais — Foto: Divulgação

Conversei ontem, por telefone, com Noni Bazarian, dona do Sítio Amaranto, produtora agroflorestal, bióloga, doutora em Ecologia da Restauração de Florestas Tropicais, e concluí que a tarefa é possível, mas muito difícil. Primeiro tem que tirar os fatores agressivos do solo e, depois, tem que respeitar o tempo de a natureza fazer seu trabalho e se recompor. Mas nossa cultura do lucro imediato é e será contra isso. Estendi a conversa com Noni porque ela também se dedica a plantar produtos orgânicos (inclusive plantas medicinais) e acredita que a elitização que se criou em volta desse tipo de produção, pelos valores altos que são cobrados em feiras e pequenas lojinhas na cidade, pode ser revertida. Reproduzo abaixo nossa conversa na íntegra:

Qual o processo para se restaurar uma floresta?

Noni Bazarian – A natureza se regenera através da sucessão natural, que nada mais é do que a substituição de espécies de maneira bem organizada. Existe uma substituição cronológica, em que cada planta prepara o terreno para o próximo grupo de plantas. De qualquer forma, penso que o homem nunca vai conseguir reverter uma floresta como foi um dia.

Então, o que é possível fazer?

Noni Bazarian – É possível preparar as áreas degradadas intencionalmente e usar todo o conhecimento que já temos para acelerar o processo que já existe de forma natural. Esta seria uma maneira de trabalhar com a natureza.

Nesse processo, o fogo atrapalha, não?

Noni Bazarian – Sim, o fogo é um grande inimigo, um grande fator de degradação. O primeiro passo para se conseguir restaurar uma floresta é eliminar o fator que está causando a degradação: seja o agrotóxico, seja o gado que está invadindo a mata ciliar, seja o maquinário que compacta a terra. Se a gente quer que uma floresta volte, é preciso ajudá-la, não continuar complicando a situação. E o fogo é um agente de rápida destruição. Ele foi e é usado pelos povos indígenas de maneira tradicional, mas numa frequência muito baixa, muito controlada. Os indígenas põem fogo, por exemplo, só na época chuvosa, põem um fogo rápido, já vêm atrás apagando. E o usam a favor, porque um dos melhores adubos é a cinza. Mas, de maneira criminosa como o fogo é ateado para acabar com a floresta de maneira rápida, é difícil deter. A alta temperatura acaba com toda a vida e a potência de nova regeneração, mata todos os microorganismos.

Se conseguíssemos recuperar pelo menos parte da área degradada no Brasil não seria preciso desmatar mais. É isto?

Noni Bazarian – A política nacional do Brasil, há muito tempo, não só no governo Bolsonaro, é de abertura de fronteira agrícola, como se a gente precisasse abrir mais áreas para fazer uma agricultura que abastecesse as demandas da população. Isto é uma burrice. É possível reverter as áreas degradadas voltando os serviços ecossistêmicos, voltando produção de água, captação de carbono, voltar todas as interações dos polinizadores, produzindo o alimento. É aí meu encanto com a agrofloresta, que faz tudo isso e dá, como resultado final, uma terra produtiva. Mas o que se faz é queimar, exaurir, botar veneno, tirando toda a força dos microorganismos. E fica a crença de que é preciso desmatar mais porque as áreas estão improdutivas. Como se a Amazônia fosse um bolsão improdutivo, não é. O que estamos vendo é este arco de desmatamento que vem acontecendo há uns vinte anos, comendo a Amazônia pelas bordas para a soja, gado, pasto. Não se produz alimento, não se cuida da água, só estamos destruindo e fazendo a terra perder a capacidade de se restaurar. Para produzir alimentos saudáveis precisamos de água, sol, polinizadores.

E a água já está escasseando…

Noni Bazarian – O que tem de pessoas que não conseguem aumentar sua capacidade produtiva por escassez de água é um absurdo. E estou falando só aqui, no interior de São Paulo, que é Mata Atlântica, onde cada sítio tem duas, três nascentes e estão todas secas. As pessoas não conseguem plantar mais e se perguntam: por que tenho que ir para outra região?

Por que isto acontece? Por que abandonar uma terra em vez de restaurá-la?

Noni Bazarian – Por preguiça, comodismo, porque nossa cultura é muito imediatista, queremos soluções rápidas que são mais baratas. Em alguns casos, isso pode ser: ‘Vamos abrir uma outra área e vamos plantar porque este solo não dá mais’. Em termos de curto prazo, esta pode ser a solução da maioria dos produtores. Mas tem também uma pitada de perversidade, de pouco se importar com o próximo, com as futuras gerações. É mesmo uma falta de preocupação, de consciência, de não perceber que o alimento não saudável causa doenças. O câncer mesmo é uma doença que, para mim, é muito sintomática de tudo o que se faz com o meio ambiente.

Já que você falou de alimento, por que os alimentos orgânicos ainda são pouco acessíveis para a camada mais pobre da população? São caros demais.

Noni Bazarian – Sou sitiante, do Sítio Amaranto, em São Paulo, estou numa região que é um dos bolsões de produção orgânica do estado. Participo do Conselho municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, e posso lhe garantir que esta é uma questão que incomoda muita gente. Uma das coisas que pode ser feita é o comprador respeitar a sazonalidade: não é toda hora que a terra produz chuchu, então é preciso procurar o que está mais fácil na época. Facilita a vida do agricultor e a de todo mundo. De qualquer forma, não acho assim tão caro. É preciso ver todos os benefícios de um produto sem veneno. Tenho clientes que me contam que diminuíram muito o uso de remédios depois que passaram a comer esses alimentos, por exemplo. Acaba gerando economia.

Para isso seria preciso as pessoas terem mais informação, mais contato com os produtores…

Noni Bazarian – Sim. Tem já uma nova maneira de isso acontecer que eu acho bem interessante, a CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura). Neste processo, os compradores se consideram coprodutores, pagam uma mensalidade para alguns agricultores orgânicos em quem confiam e ajudam a produzir seu alimento da melhor forma. O CSA é uma nova forma de se relacionar com o seu próprio alimento.

Ser produtor rural no Brasil é difícil, sobretudo de orgânicos?Noni Bazarian – Sim. Eu sou uma neorural e consigo driblar muitas dificuldades porque tenho informações, novidades. Mas não se tem apoio do estado, não há políticas públicas voltadas para incentivar o produtor, como assistência técnica, Senac, centro de pesquisas, casas de semente. Se a gente tem que pagar tudo, não tem ajuda para nada, é muito difícil chegar com preço bom ao consumidor.

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