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Detergente, maionese e aulas de natação: a saga das tartarugas sujas de óleo para voltar ao mar

Há um mês e meio, dezenas de animais foram atingidos por manchas de petróleo no litoral do Nordeste brasileiro. O material de origem ainda desconhecida causou a morte de pelo menos duas aves e 15 tartarugas marinhas.

Outras 11 tartarugas foram resgatadas após entrarem em contato com o petróleo, mas sobreviveram. Biólogos estimam, porém, que muitos dos animais atingidos morreram e não foram encontrados.

Por isso, foram retiradas do mar, de maneira preventiva, 486 tartarugas para evitar que se contaminem ao serem transportadas para áreas com menor chance de serem afetadas.

Biólogos e veterinários entrevistados pela BBC News Brasil dizem que as tartarugas atingidas podem demorar até seis meses para voltar para o mar. Nesse meio tempo, vivem uma saga até a recuperação completa.

Depois que a tartaruga é recolhida, os especialistas iniciam um processo de limpeza, treinamento e uma bateria de exames até que esteja pronta para voltar ao seu habitat. Por ser um réptil e ter um metabolismo mais lento, sua recuperação é bem mais lenta do que a de uma ave, por exemplo.

Flávio Lima, coordenador-geral do Projeto Cetáceos da Costa Branca, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), explica que o processo de higienização e recuperação física segue uma série de etapas.

Tartarugas são limpas primeiro com óleo vegetal e depois detergente — Foto: Projeto Cetáceos da Costa Branca/UERN
Tartarugas são limpas primeiro com óleo vegetal e depois detergente — Foto: Projeto Cetáceos da Costa Branca/UERN

“A primeira é a descontaminação, para propiciar condições mínimas de sobrevivência. Fazemos uma lavagem das partes moles do corpo da tartaruga, como as nadadeiras e a cabeça. Depois, as mais rígidas, como o casco e o plastrão, que é a parte de baixo — onde fica o peito e a barriga. Fazemos isso usando esponjas, óleo vegetal e detergente neutro”, conta Lima.

Ele diz que esse processo é repetido até que o animal esteja completamente limpo. Essa fase pode demorar até cinco dias. As maiores preocupações são as cavidades, como boca, olhos, narina e cloaca — por onde as tartarugas também respiram.

Thaís Pires, veterinária do Projeto Tamar, afirma que o petróleo gruda com facilidade nas nadadeiras. Isso aumenta o peso do animal e impede que consiga nadar. Para remover o excesso, é necessário usar uma outra gordura que consiga solubilizá-lo para só então fazer uma lavagem final com detergente neutro e água.

“Na boca, usamos maionese, porque o óleo escorre e precisamos de algo mais sólido. Se a gente não usar essas gorduras, o detergente não consegue agir sozinho, porque o petróleo é muito denso. Precisaríamos de uma quantidade muito grande para termos o mesmo resultado”, diz.

A veterinária explica que uma das técnicas para tirar o petróleo do organismo dos animais é fazer com que eles ingiram carvão ativado em pó, que se liga aos compostos tóxicos, como o petróleo, e sai do corpo. Esse óleo causa muita irritação no organismo. Se ele fica muito tempo em contato com a pele, pode queimar.

Caso o animal continue apático e sem força para respirar, ele é mantido em um ambiente úmido, mas fora da água. “Se a gente coloca ela debilitada na água, ela se afoga”, diz Pires.

Para isso, os veterinários colocam a tartaruga sobre uma grande esponja e cobrem sua carapaça com uma toalha molhada para que o permaneça sempre úmida.

Exames, alimentação e treino

Depois da limpeza, o animal precisa de uma pausa para reduzir o estresse causado tanto pelo óleo grudado no corpo quanto pelo tratamento inicial para retirá-lo. Nesse momento, os animais são alimentados e, em alguns casos, tomam soro fisiológico até que se recuperem fisicamente.

Depois, são feitas diversas sessões de fisioterapia e, assim que a musculatura se fortalece, iniciam as “aulas de natação” com captura de alimento dentro de um tanque para que se adaptem ao retorno para o mar.

Processo de limpeza pode ser repetido diversas vezes até que todo o petróleo seja retirado — Foto: Projeto Cetáceos da Costa Branca/UERN
Processo de limpeza pode ser repetido diversas vezes até que todo o petróleo seja retirado — Foto: Projeto Cetáceos da Costa Branca/UERN

“Nesse período, a gente também deixa ela num recinto específico para avaliar se continua soltando óleo nas fezes. Uma reabilitação dura cerca de 2 meses. São feitos nesses períodos baterias laboratoriais para verificar se há alterações em exames de hemograma e bioquímico”, afirma Lima.

Os biólogos e veterinários ressaltam, porém, que esse trabalho de limpeza não pode ser feito por banhistas ou moradores locais.

“As pessoas não devem tentar devolver a tartaruga ao mar, porque ela não vai sobreviver e, ainda por cima, voltará ao local contaminado. Também não devem tentar limpá-la, porque isso pode agravar ainda mais sua situação. Quem avistar um animal ferido ou com manchas de óleo, deve ligar para o Corpo de Bombeiros. Eles vão acionar o Ibama ou outro órgão ambiental, que fará o resgate com equipes especializadas”, diz Lima.

A veterinária afirma que a tendência é que a tartaruga atingida por manchas de óleo se recupere completamente e não necessite viver num tanque pelo resto da vida. Essa decisão só é tomada quando o animal nasce sob a proteção do instituto ou não tem condições físicas de voltar à natureza.

Um exemplo disso é uma tartaruga que se machucou com objetos de pesca e perdeu os movimentos de sua nadadeira. Ela fez sessões de fisioterapia, estímulos elétricos e acumpuntura, mas, como sua nadadeira atrofiou, hoje vive no Projeto Tamar na Praia do Forte, na Bahia.

Depois de todo o processo de recuperação, as tartarugas estão finalmente preparadas para voltar ao mar. Dois filhotes foram socorridos por biólogos do Projeto Tamar nesta semana e já foram soltos por ter apenas pequenas manchas de óleo. Geralmente, isso ocorre a partir da areia, mas, desta vez, foram deixados em alto mar, diz a veterinária Thaís Pires.

“O mais importante é permitir que o filhote vença esse primeiro desafio e chegue à água. Com a barreira física do óleo que há hoje, eles não conseguem chegar até o mar. Nos primeiros dias, a gente mudava os filhotes de praias contaminadas para aquelas que estavam limpas. Agora, a gente precisa jogá-los diretamente em alto mar. Isso dá uma chance maior a eles, porque não sabemos quanto óleo há no mar nem como está se deslocando”, afirmou.

Por BBC

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