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74 milhões de brasileiros ficarão sem água até 2035, diz Plataforma Brasileira de Biodiversidade

Por Amelia Gonzalez

Estiagem de 2014 fez o Sistema Cantareira viver o seu pior momento na história: alerta sobre o uso consciente da água e respeito a essas fontes de vida — Foto: Adriano Rosa

Não será por falta de aviso ou de informações pertinentes que os atuais donos do poder no país deixarão de levar a sério a dimensão dos impactos que as mudanças climáticas podem causar aos brasileiros.

No mesmo dia em que mais de cem cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) lançaram um relatório preocupante sobre os impactos das mudanças climáticas e apontaram que 8% das terras no Brasil já sofrem alguma forma de degradação (desertificação entre elas), pesquisadores da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) avisaram, em outro estudo, que se não houver uma mudança na gestão das águas do país faltará água para cerca de 74 milhões de brasileiros até 2035.

Hoje, a população brasileira consome cerca de 260 mil litros de água por segundo, aproximadamente 108 litros de água por dia. O estudo brasileiro foi lançado durante o 15º Congresso Brasileiro de Limnologia que aconteceu ontem (8) em Florianópolis.

A questão é que praticamente todas as atividades econômicas no Brasil também dependem de suas águas. Só a matriz energética brasileira depende de cerca de 65% da produção hidrelétrica. Sendo assim, e nesse cenário de escassez apresentado no relatório temático “Água: biodiversidade, serviços ecossistêmicos e bem-estar humano no Brasil”, advertem os pesquisadores que a atividade produtiva que mais vai sofrer será a indústria, que hoje utiliza cerca de 180 mil litros de água por segundo e terá perdas econômicas correspondentes a cerca de 84%. Em seguida virão a pecuária e a agricultura de irrigação, principais usuários dos recursos hídricos do país, consumindo, respectivamente, por volta de 750 mil e 125 mil litros de água por segundo.

“Cerca de 85% da produção agropecuária nacional – localizada nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul – dependem da água proveniente das chuvas, que tem aproximadamente 40% da sua origem na evapotranspiração da Amazônia. Em 2018, o Brasil exportou quase 84 milhões de toneladas de soja, o que corresponde a cerca de 8,4 trilhões de litros de água”, detalha o relatório.

Crescente atividade agrícola impacta os ambientes com fertilizantes e agrotóxicos — Foto: TV TEM/Reprodução

Não há bons prognósticos para todas as regiões brasileiras. No Nordeste, a falta de chuva que já é recorrente vai se juntar à poluição:

“O Centro-Oeste é caracterizado por uma intensa e crescente atividade agrícola que impacta os ambientes aquáticos com fertilizantes e agrotóxicos. Já a Região Norte apresenta situações de escassez nos centros urbanos causada pela baixa qualidade e por falta de gestão adequada de seus recursos hídricos. O Sul do país concentra quase 1/3 do aquífero Guarani, que vem sendo exposto à contaminação pela proliferação de poços que colocam em risco essas reservas. Todos esses processos fazem com que cerca de 40% do território brasileiro possua um nível que varia de moderado a elevado de ameaça à biodiversidade aquática”, diz o relatório.

As principais ameaças vêm, como se sabe, das mudanças climáticas, das mudanças no uso do solo, da fragmentação de ecossistemas e da poluição. E é neste ponto que o relatório brasileiro se junta ao estudo feito pelos pesquisadores do IPCC que dão contornos reais às mudanças climáticas.

“Tais mudanças, bem como a transposição de rios, promovem modificações na dinâmica e na estrutura dos ambientes aquáticos causando perda na conectividade e alteração no regime hidrológico, o que favorece o estabelecimento de espécies exóticas.”

Os eventos extremos, que têm sido sentidos, vão aumentar. E os pesquisadores mostram o que já aconteceu: anos de seca prolongada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil resultaram em uma perda estimada de R$ 20 bilhões na receita agrícola em 2015, um recuo de quase 7% em relação ao ano anterior. Portanto, não é fato para se deixar de lado.

Há o que fazer, e muito. Se tivermos vontade política e um olhar atento e cuidadoso, se houver “um processo de governança com base técnica e científica mais inclusivo, colaborativo e transparente”, garantem os pesquisadores que ainda vai dar tempo para reverter.

A comunidade ribeirinha do Amolar vive a várias horas de viagem de barco de Corumbá (MS), quase na divisa com Mato Grosso — Foto: Eduardo Palacio/G1

“A restauração florestal e a conservação dos mananciais e da vegetação ribeirinha trazem benefícios consistentes para a qualidade da água e podem reduzir, consideravelmente, os gastos com tratamento. O setor privado é um importante aliado no estabelecimento das soluções para a água no país, pois é responsável por grande parte das áreas com vegetação nativa remanescente e é amplamente afetado por alterações na disponibilidade hídrica. A universalização do saneamento básico no país trará benefícios da ordem de R$ 1,5 trilhão, valor quatro vezes maior que o gasto estimado para sua implementação”, diz o relatório.

Aliny Pires, uma das coordenadores do estudo e professora adjunta da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) lembra que o diferencial do trabalho está na abordagem da questão da água, que não tem potencial apenas como recurso hídrico:

“A água é muito mais do que isso, é um componente-chave da biodiversidade, é patrimônio cultural e está atrelada ao bem-estar da população brasileira de inúmeras maneiras.”

Não há vida sem água. Simples assim.

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