Estudo inédito traça mapa da biodiversidade na costa brasileira
Pela primeira vez, um estudo envolvendo 55 pesquisadores de instituições como USP (Universidade de São Paulo), Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e mais de dez universidades federais vai realizar um amplo diagnóstico sobre a biodiversidade e os ecossistemas dos cerca de 10 mil quilômetros da costa brasileira.
O trabalho é o maior já desenvolvido no país sobre a situação dos oceanos e zonas costeiras e integra a Década dos Oceanos (2021-2030), mobilização proposta pela ONU (Organização das Nações Unidas), com a participação de 193 países membros, que visa ampliar a cooperação científica internacional e promover a integração entre ciência e políticas públicas sobre o tema.
Previsto para terminar em junho de 2022, o estudo deve trazer recomendações sobre oportunidades e ações para mitigar a degradação dos mares e restaurar a biodiversidade na costa brasileira.
Dados preliminares apontam que os cinco maiores problemas relacionados aos oceanos no Brasil são a destruição de habitats (manguezais, restingas, recifes de corais, dunas), a sobrepesca, que engloba a pesca ilegal, excessiva e não regulamentada; a poluição; a invasão de espécies exóticas por navios que ameaçam o equilíbrio da biodiversidade; e as mudanças climáticas, que têm efeitos sistêmicos.
Desses, atualmente a poluição é um dos mais preocupantes – são as “comorbidades do oceano”, segundo Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e um dos três coordenadores do diagnóstico, ao lado das pesquisadoras Cristiana Seixas, da Unicamp (Universidade de Campinas) e Beatrice Padovani Ferreira, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Segundo Turra, só nos últimos dois anos houve o grande derramamento de óleo que afetou o litoral do Nordeste, o recente episódio do lixo nas praias do Rio Grande do Norte, além dos impactos sistêmicos da falta de saneamento e dos resíduos de fertilizantes que chegam pelas bacias hidrográficas. “São estressores que, somados, minam o ambiente, com efeitos cumulativos”, diz o pesquisador.
Um dos objetivos do estudo será ajudar o país a criar políticas públicas baseadas em ciência, apesar da escassez de dados. Há dez anos não se compilam dados sobre produção pesqueira, de modo que não se sabe o real tamanho dos estoques de peixes e crustáceos.
As mudanças climáticas também trazem impactos sobre a dinâmica desses recursos. Um exemplo é a sardinha, que está desaparecendo da região Sudeste e migrando para os mares do Sul, em busca de águas mais frias.
Ao mesmo tempo em que faltam informações sobre peixes, sobram dados sobre o lixo marinho, segundo o oceanólogo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana. Dados da organização apontam que o Brasil contribui com a poluição marinha com 325 mil toneladas de lixo plástico por ano, a maioria itens descartáveis, como copos, pratos, canudos, talheres e sacolas.
“Muitos defendem que as soluções estão no campo da reciclagem, mas para essa categoria de plásticos ela não dá conta do tamanho do problema, pois não acompanha o volume e a velocidade da produção. É preciso reduzir de fato”, diz Zamboni.
O impacto desses resíduos sobre as espécies marinhas é crítico, já que 10% dos animais que ingeriram plástico morreram por conta disso e, desses, 85% são espécies ameaçadas de extinção. Tartarugas marinhas, por exemplo, confundem águas-vivas com sacolas plásticas e acabam se alimentando delas.
“O impacto da pesca ilegal e da poluição dos oceanos sobre as espécies de tartarugas marinhas ainda representa uma grande ameaça à conservação”, diz Neca Azevedo Marcovaldi, diretora nacional de conservação e pesquisa do Projeto Tamar, considerado referência internacional na conservação de tartarugas marinhas.
O Brasil possui 92 milhões de hectares marinhos protegidos por 64 unidades de conservação marinhas, o que equivale a 26,3% das áreas protegidas no país. Mas falta aumentar a proteção na ZEE (Zona Econômica Exclusiva), faixa situada para além das águas territoriais, sobre a qual cada país costeiro tem prioridade para utilização dos recursos naturais do mar. A ZEE brasileira tem uma área oceânica aproximada de 3,6 milhões de quilômetros quadrados, sob supervisão da Marinha.
“Ainda temos muito a fazer para garantir a conservação dos ambientes costeiros e marinhos, pois, apesar do aumento de áreas marinhas protegidas nos últimos anos, somente 2,5% da ZEE está protegida por unidades de proteção integral”, diz Marcovaldi.
Na avaliação dos especialistas, aumentar a proteção nas áreas costeiras, ordenar a pesca, reduzir as fontes de poluição, mobilizar a sociedade e gerar conhecimento sobre os impactos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas são alguns caminhos para proteger os oceanos nos próximos anos. O desafio, é justamente transformá-los em políticas públicas.
“Todo o conhecimento que está sendo produzido não será útil se os governos não estiverem abertos a ouvir a ciência”, diz a bióloga Leandra Gonçalves, consultora da SOS Mata Atlântica e cofundadora da Liga das Mulheres pelos Oceanos, movimento que reúne mais de 2.000 mulheres, entre ambientalistas, pescadoras, atletas, artistas, fotógrafas e jornalistas pela conservação dos oceanos.
Segundo Gonçalves, outro avanço seria a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei Nº 6.969, que tramita desde 2013. Apelidado de “lei do mar”, o PL busca integrar as políticas públicas setoriais que hoje estão fragmentadas em diferentes esferas de governo, além de criar mecanismos como sistemas de informação que permitam monitorar impactos sobre os oceanos.
“O texto amadureceu ao longo desses oito anos de tramitação, e reforça pontos como a gestão costeira integrada, atualiza os limites do bioma marinho brasileiro e traz ainda as contribuições do setor de pesca artesanal”, afirma. A lei pode ser votada a qualquer momento.
A pandemia de Covid-19 agravou ainda mais o problema de geração de lixo plástico com o crescimento da demanda por entrega de refeições. Isso levou a ONG Oceana a lançar, no final do ano passado, a campanha #DeLivreDePlástico, em parceria com o Pnuma (Programa da ONU para o Meio Ambiente), solicitando às empresas de aplicativos de entrega de comida para que se comprometam a reduzir o uso de plásticos descartáveis nas entregas, com metas para se tornarem livres de plásticos até 2025.
De acordo com o oceanólogo Ademilson Zamboni, a iniciativa avançou em conversas com o iFood, que responde por cerca de 70% do mercado. A empresa avalia sugestões feitas pela ONG, como abandonar o uso de embalagens de isopor e de sachês de condimentos, além de reduzir gradativamente os demais itens descartáveis.
Projetos que atuam na costa brasileira
APA Costa dos Corais
Início: 2011
Onde: Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, entre Pernambuco e Alagoas
O que faz: Proteção de diversas espécies costeiras e marinhas, com destaque ao peixe-boi-marinho
Quem faz: SOS Mata Atlântica, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fundação Toyota do Brasil
Biofábrica de Corais
Início 2015
Onde Porto de Galinhas (PE)
O que faz: Preservação do coral-de-fogo (Millepora alcicornis) e do coral vela ou coral couve flor (Mussismilia harttii), endêmico do Brasil e em risco de extinção
Quem faz: Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), WWF Brasil, Instituto Serrapilheira e empresas
SOS Mata Atlântica
Início: 1986
Onde: São Paulo e outros 17 estados cobertos pela mata atlântica
O que faz: Atua na proteção da mata atlântica (manguezais, ilhas, recifes e dunas)
Quem faz: SOS Mata Atlântica, patrocínio de empresas de diferentes segmentos
Projeto Tamar
Início: 1980
Onde: 100% de cobertura nas principais praias de desova, em 1.100 quilômetros de costa, em 26 localidades de nove estados
O que faz: Pesquisa, proteção e manejo das cinco espécies de tartarugas marinhas do país, todas ameaçadas de extinção
Quem faz: Fundação Pró-Tamar, patrocínio Petrobras
Por Folha de SP
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