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Biólogos brasileiros descrevem 1º caso de tamanduás com tons de rosa

Em um estudo inédito sobre a variedade de coloração de tamanduás, uma equipe formada por quatro pesquisadores brasileiros e um estadunidense descreveu, pela primeira vez, a ocorrência de uma anomalia conhecida como “eritismo” na espécie. A mutação rara gera tons de rosa nas estruturas corpóreas do animal, mas, diferentemente de outras condições anômalas, não parece afetar os hábitos de vida dos portadores.

A avaliação da coloração dos indivíduos foi feita a partir da observação de 33 registros de coleções taxonômicas disponíveis em museus de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Além disso, também foram consideradas no estudo 2.000 fotografias publicadas dentro de bancos de dados acadêmicos online (tais como Scopus, SciELO e Web of Science). Os resultados foram publicados no periódicoZoologia.

A literatura científica até pouco tempo atrás só reconhecia nos tamanduás casos de melanismo (em que há produção excessiva do pigmento negro). Porém, isso começou a mudar no final de 2022, quando o grupo de biólogos descreveu pela primeira vez a ocorrência de albinismo (coloração totalmente branca) em um tamanduá-bandeira. Desse ponto em diante, mais descobertas foram acontecendo.

“Nós investigamos as anomalias na coloração da pelagem das espécies Tamandua tetradactyla e Tamandua mexicana. Por meio desse estudo, foi possível reconhecer novos casos de albinismo e melanismo, além de obter registros inéditos de tamanduás parcialmente brancos (leucismo), amarelos (xantocromismo), marrons e, o caso mais marcante, um indivíduo com tons cor-de-rosa (eritrismo)”, relata Leonardo Cotts, primeiro autor do estudo, à GALILEU.

Tamanduá cor-de-rosa

O eritrismo é a anomalia que comumente gera tons avermelhados nas estruturas corpóreas de vertebrados. Essa condição é provavelmente ocasionada por uma mutação genética que favorece o aumento da produção de feomelanina (pigmentos vermelhos a amarelos) em regiões do corpo onde a eumelanina é mais presente (pigmentos marrons a pretos). Devido a isso, o tamanduá apresenta diferentes tons de rosa em sua pelagem, pele e garras.

Casos dessa condição genética já foram registrados em aves, répteis e peixes, mas são muito raramente vistos em mamíferos. Além da recente descoberta do tamanduá pela equipe de Cotts, só há casos catalogados de eritrismo nessa classe em outras duas espécies, sendo essas o texugo-americano (Taxidea taxus) e o leopardo (Panthera pardus).

Dentre as variações de coloração encontradas pelos pesquisadores, estão: a) melanismo; b) melanismo parcial; c) xantocromismo; d) xantocromismo parcial; e) variação marrom; f) leucismo; g) albinismo; e h) eritrismo — Foto: Cotts et al. 2023

Dentre as variações de coloração encontradas pelos pesquisadores, estão: a) melanismo; b) melanismo parcial; c) xantocromismo; d) xantocromismo parcial; e) variação marrom; f) leucismo; g) albinismo; e h) eritrismo — Foto: Cotts et al. 2023

Dentre os registros analisados pelos biólogos, foram identificados dois tamanduás em cinco fotografias capturadas no Parque Nacional da Soberanía, no Panamá. “Os indivíduos cor-de-rosa apresentavam tamanho e massa corporal aproximados e interagiram entre si sem a presença de comportamento agressivo”, descreve o líder da pesquisa.

Ambos foram descritos como possivelmente adultos, mas não foi possível identificar o sexo dos espécimes. Fenotipicamente, eles apresentam uma “máscara” amarelada pálida no rosto, um “colete” laranja-rosado, cauda sem pelos e garras rosa-esbranquiçadas.

Por conta do aspecto geral da pelagem, bem como pelas características morfológicas semelhantes, os biólogos acreditam que os dois indivíduos são irmãos gêmeos da mesma ninhada. Cotts destaca que “outros encontros com esses animais também foram registrados pelos nossos colaboradores e eles sempre foram vistos juntos, reforçando a hipótese de serem parentes”.

Como o eritrismo em tamanduás é uma condição recém-descoberta, ainda não há dados biológicos e ecológicos suficientes para entender o seu efeito na espécie. Muitas anomalias cromáticas trazem consigo deficiências neurológicas ou visuais e desvantagens evolutivas (como a suscetibilidade à predação). “Contudo, os animais estavam saudáveis e ativos quando foram observados, indicando que essa condição anômala aparentemente não afetava seus hábitos de vida”, aponta o especialista.

Por que estudar as anomalias de cor?

A coloração deriva de uma ação conjunta de mais de 150 genes que determinam a pigmentação dos animais vertebrados. Mutações em alguns desses códigos genéticos específicos podem ocasionar uma condição hiperpigmentar ou hipopigmentar, gerando, respectivamente, um aumento ou uma redução de pigmentos nos tecidos.

“Animais com colorações atípicas servem como bioindicadores ambientais, que podem auxiliar no entendimento da distribuição geográfica de grupos distintos da mesma espécie”, explica Cotts. Colorações anômalas podem revelar informações únicas sobre as espécies do planeta — daí a importância dessas pesquisas.

Irmãos tamanduá cor-de-rosa, indo um ao encontro do outro. Primeiro indivíduo em A, B e D. Segundo espécime em C e E. — Foto: Cotts et al. 2023

Irmãos tamanduá cor-de-rosa, indo um ao encontro do outro. Primeiro indivíduo em A, B e D. Segundo espécime em C e E. — Foto: Cotts et al. 2023

Muitos portadores dessas anomalias são pertencentes a grupos que estão sendo impactados pelas ações humanas. A sua presença indica que, possivelmente, as populações estão sofrendo um processo de isolamento e redução de espécimes, favorecendo, assim, a endogamia (cruzamento entre indivíduos aparentados) e o surgimento de anomalias nas linhagens.

O estudo com foco nos tamanduás foi publicado recentemente, mas Cotts aponta que a descoberta foi recebida muito positivamente pela comunidade científica: “É um caso único e acredito que irá proporcionar uma maior atenção e interesse. A continuidade desses trabalhos é crucial para compreendermos lacunas ainda presentes na história biológica desses animais no continente americano”.

Os dois tamanduás cor-de-rosa seguem sob observação no Parque Nacional da Soberanía. Novos registros sobre os seus comportamentos e interações com o ambiente são apontados pela equipe técnica e colaboradores a fim de se verificar a complexidade dessas anomalias.

“Os dados serão cruzados com informações anatômicas, ecológicas e genéticas desses animais. Isso nos ajudará a ter uma noção mais precisa sobre a biologia, a distribuição geográfica e a evolução da espécie”, conclui o porta-voz do grupo.

Por Galileu

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