Mudança climática reduz germinação e distribuição geográfica de plantas no Cerrado
Estudo mostra que, com aumento da temperatura, espécies terão capacidade de sobrevivência prejudicada no bioma e tenderão a se deslocar de sua área de habitat natural
Garapa, garapeira, grapiá e amarelinho são nomes populares da Apuleia leiocarpa, árvore estudada por pesquisadores brasileiros para descobrir como a mudança climática reduzirá a capacidade de sobrevivência de espécies no Cerrado. Com o aumento da temperatura, a germinação e a distribuição de espécies serão afetadas e plantas tenderão a migrar em busca de habitats com condições favoráveis para o crescimento. A garapa foi a espécie escolhida pelos cientistas por ter uma ampla distribuição no bioma e no país, o que indica que os efeitos observados poderão se repetir nas demais.
O diferencial do trabalho está na combinação de fatores que levam em conta o efeito da mudança climática na distribuição da espécie pelo território, características fisiológicas e vigor da planta, ou seja, seu comportamento no estágio de desenvolvimento inicial. A pesquisa agrega cientistas do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), da Universidade Estadual de Goiás, da Faculdade Metropolitana de Anápolis, da Universidade Federal de Goiás e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
“É como se fosse um modelo do que pode acontecer com outras espécies de ampla distribuição no Cerrado. Como consequência da mudança climática, a Apuleia leiocarpa se deslocaria mais para o sudeste do bioma, buscando temperaturas adequadas. Mas essa região já está ocupada por grandes cidades e fazendas, o que reduz bastante a capacidade de distribuição”, diz o pesquisador no IPAM e um dos autores do estudo, Filipe Arruda.
Entender o impacto da mudança climática sobre a biodiversidade é um dos objetos de estudos das ciências ambientais, ainda mais quando as espécies em questão oferecem serviços ecossistêmicos ou estão inseridas em biomas já fortemente ameaçados, como é o caso do Cerrado brasileiro.
Atual distribuição da A. leiocarpa no Brasil, com destaque para o bioma Cerrado e na América Latina
Para a realização do experimento que conduziu a esse resultado, os pesquisadores plantaram e distribuíram sementes de garapa em estufas de germinação expostas à variação de temperatura entre 21°C e 41°C, com 11 intervalos de 2°C cada. As sementes apresentaram melhores taxas de germinação (70~80%) e vigor na temperatura que é considerada ótima para o desenvolvimento da planta: 31°C. Aumentando os graus Celsius, tanto a germinação, quanto o vigor – medido pelo tamanho da raiz e do caule – foram prejudicados. Nas temperaturas mais altas, a planta sequer germinou.
O intervalo de temperatura adotado na pesquisa condiz com as temperaturas de germinação da garapa, conforme a literatura científica especializada na área e as temperaturas dos locais onde se encontra a espécie hoje. Considera, também, cenários futuros de mudança climática em perspectivas que variam de otimistas a pessimistas, seguindo a previsão de emissão de CO2, gás carbônico, na atmosfera. Projeções do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) para 2100 apresentam um cenário otimista de aumento entre 1°C e 1,8°C na temperatura média do planeta em relação ao período pré-industrial, enquanto que o cenário pessimista sugere um aumento entre 3,3°C e 5,7°C. No estudo, os pesquisadores adotaram uma posição intermediária, seguindo os padrões atuais da emissão de CO2 na atmosfera.
“A premissa do trabalho se baseia nas seguintes etapas: sabe-se os locais onde a espécie Apuleia leiocarpa ocorre naturalmente, assim como suas condições climáticas; foram feitos experimentos de germinação e vigor nas sementes utilizando uma variação de temperatura que condiz com a fisiologia da espécie; aplicando ferramentas matemáticas, relacionamos os resultados encontrados nos experimentos com as futuras temperaturas dos locais onde se encontra a espécie atualmente, levando em consideração a mudança climática. Infelizmente, o resultado da pesquisa nos revelou a possibilidade de redução da germinação natural das sementes, assim como da capacidade de resiliência das novas plantas, ou seja, o seu vigor, o que pode reduzir a ocorrência da espécie em um futuro próximo. A espécie em questão serve como exemplo de como a mudança climática afetará a ocorrência das espécies vegetais nativas de uma região”, reforça o professor da Faculdade Metropolitana de Anápolis e primeiro autor do estudo, Rafael Batista Ferreira.
“Vários artigos já têm mostrado que animais e plantas, em cenários futuros de mudança climática, devem reduzir sua área de distribuição ou se deslocar para outras regiões. Grande parte desses estudos utilizam técnicas de modelo de nicho. No trabalho, utilizamos as mesmas ferramentas de modelagem de nicho e acrescentamos as pesquisas experimentais. Essa estratégia foi importante para avaliar justamente como a mudança no clima afetará as diferentes etapas do desenvolvimento da espécie”, acrescenta o pesquisador da Universidade Estadual de Goiás, João Carlos Nabout, também autor.
Hotspot de biodiversidade e savana mais biodiversa do mundo, o Cerrado está sob elevado grau de ameaça. Já teve mais da metade da vegetação nativa desmatada (51%), ou 1,01 milhão de km², segundo o Prodes, sistema de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Em junho de 2022 o bioma bateu recorde com 4.329 focos de incêndio, maior número da série histórica desde 2010.
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