Krakatoa, o inferno de Java: a erupção há 137 anos que foi sentida no planeta inteiro
Em 1883, o mundo presenciou um evento natural tão bombástico e violento que pôde ser notado de alguma forma por praticamente todos os habitantes do planeta.
A erupção do vulcão Krakatoa, na Indonésia, lançou detritos a até 100 km de altura, causou megatsunamis que mataram milhares de pessoas e foram percebidos até no Canal da Mancha. O fenômeno alterou o clima do planeta, mexeu com a luz, com o ar e até com as cores do crepúsculo em vários cantos da Terra. Além disso, teve grande — e talvez pouco conhecido — impacto no mundo das artes, das comunicações e da ciência.
A história desse extraordinário evento é contada em um podcast da série Que História!, da BBC Brasil, que traz, também, o depoimento de uma testemunha da erupção, encontrado nos arquivos da BBC.
Tiro de canhão
A pequena ilha de Krakatoa, no meio do estreito de Sunda, entre as grandes ilhas de Sumatra e Java na Indonésia, foi praticamente destruída no dia 27 de agosto de 1883, uma segunda-feira, pela explosão de um vulcão. As erupções tinham começado no domingo, mas a mais violenta delas foi a terceira erupção da segunda-feira, uma explosão gigantesca, um barulho tão alto que foi ouvido a 5 mil quilômetros de distância, nas ilhas Mauricio — onde se achou que era um tiro de canhão dado por um navio.
Imagine um som gerado no Rio de Janeiro, que cruza o Atlântico e é ouvido em Dakar, no Senegal. Não à toa, a explosão do Krakatoa é tida até hoje como o som mais alto já ouvido na História. Foi tão poderoso que há relatos de ter rompido os tímpanos de marinheiros que estavam a dezenas de quilômetros de distância.
“As reverberações das explosões foram inacreditáveis, é difícil descrever o barulho e o caos que eu presenciei”, disse à BBC, em 1946, Sidney Baker, que na época do Karakatoa era um adolescente no navio de seu pai, o W.H. Besse, de bandeira americana, que viajava de Batávia (nome da então capital das Índias Orientais Holandesas, atualmente Jacarta, capital da Indonésia) aos Estados Unidos. O navio estava no Oceano Índico a noroeste de Krakatoa.
“O ar tinha tanta poeira, que a gente achou que fosse sufocar. E estava tão escuro, que você não conseguia ver a mão colocada na frente do rosto. E as cinzas choviam no mar… Sobre o navio havia quase 20 centímetros de camadas de cinzas”, contou Baker.
Simon Winchester, o autor de Krakatoa, The Day the World Exploded (Krakatoa: o Dia em que o Mundo Explodiu, em tradução livre) dá uma ideia da destruição deixada pelo vulcão em entrevista ao programa Witness History, da BBC.
“Precisamente às 10h e 5 minutos locais, a ilha, basicamente de 10 quilômetros cúbicos, foi desintegrada por uma explosão, que lançou rochas e cinzas a até 100 quilômetros de altura. A ilha desapareceu, e deixou, por alguns segundos, um enorme buraco no mar. Esse buraco foi enchido por trilhões de toneladas de água. Estava tão quente no interior desse buraco que a água imediatamente se converteu em vapor. Esse vapor causou tsunamis gigantes, quatro ao todo, que causaram um enorme estrago nas costas de Sumatra e Java.”
E não foi apenas a cratera e o vapor que causaram os tsunamis, mas também a enorme quantidade de água deslocada pela lava, rochas e outros detritos expelidos pelas erupções. Vários vilarejos e cidades costeiras na Indonésia foram invadidas pelas ondas e completamente inundados. Entre elas, a cidade de Anjer, na ilha de Java.
“O barco de meu pai estava a caminho de Anjer” contou Sidney Baker, “e a cidade desapareceu completamente sob a água. A gente estava navegando por cima dela. Me lembro de ouvir meu pai dizendo que se jogasse uma âncora, ela ficaria presa na chaminé de uma casa.”
“O mar estava cheio de toda espécie de destroços. Vilarejos levados pela água, corpos por tudo o que é lado.”
Os tsunamis mataram cerca de 40 mil pessoas nas cidades costeiras do estreito de Sunda, e avançaram pelos oceanos Índico e Pacífico.
Segundo Winchester, as ondas “chegaram à costa leste da África e subiram o Atlântico”. “Marégrafos (aparelhos medidores das variações do nível do mar) detectaram as ondas empurradas pelos tsunamis em lugares distantes como Biarritz, na França, o Canal da Mancha e Portland, na costa oeste americana.”
O céu, o ar e as cores
E não foi apenas nos oceanos que o Krakatoa deixou sua marca. A incrível força da explosão liberou uma energia estimada em 200 megatons — mais de 10 mil vezes a força da bomba atômica de Hiroxima. Isso criou uma onda de pressão que deu a volta no planeta três vezes.
Os efeitos da luz do sol refratada pelas partículas na estratosfera expelidas pelo vulcão mexeram com a aparência dos crepúsculos e das auroras. “Quando chegamos em casa, nos Estados Unidos, notamos que isso estava acontecendo no mundo inteiro.”
Descrições da época dão conta de crepúsculos extraordinariamente vívidos e brilhantes, que teriam inspirado poetas e pintores em lugares distantes como a Europa.
“Um pintor em Chelsea, Londres, William Ascroft, ficou encantado com os deslumbrantes tons de roxo, vermelho e laranja do pôr do sol — pelo que hoje sabemos ter sido o efeito da poeira suspensa na estratosfera —, e produziu, no inverno de 1883, à beira do Tâmisa, centenas de aquarelas que parecem fotos e dão uma ideia do fenômeno”, disse Winchester.
“E nos Estados Unidos também. Teve um pôr do sol tão intenso em Poughkeepsie, uma cidade à beira do rio Hudson, no Estado de Nova York, que os bombeiros enviaram carruagens com água achando que havia um incêndio na beira do rio. Chegando ali, viram que não havia fogo algum, apenas esse pôr do sol extraordinário. E hoje, muitos especialistas estão convencidos de que o famoso quadro O Grito, de Edvard Munch retrata um céu de intenso laranja e roxo, que teria sido inspirado nesse céu.”
Para Winchester, a explosão do Krakatoa também marcou uma grande mudança no mundo das comunicações, pois teria sido o primeiro grande evento noticiado em rede global.
“Quando (Abraham) Lincoln, o presidente americano, foi assassinado, cerca de 20 anos antes, demorou 12 dias pra que a notícia chegasse a Londres. Mas, nesse meio tempo, houve avanços na tecnologia de instalar cabos de telégrafo atravessando os oceanos. E isso permitiu que uma mensagem enviada pelo correspondente da agência Reuters em Java — “explosão gigante, Krakatoa, vários mortos” — chegasse a Batávia e de lá fosse telegrafada a Londres, onde chegou quatro minutos depois. E pouco depois chegava a várias cidades do mundo. Eu acho que a erupção do Krakatoa e a cobertura desse evento marca o nascimento do que a hoje a gente conhece como aldeia global.”
O establishment da ciência, liderado na época pela Royal Society, a tradicional academia de ciências do Império Britânico, queria entender as possíveis razões para que os efeitos do Krakatoa fossem sentidos em lugares tão distantes. Essas pesquisas levaram à descoberta das correntes de ar na atmosfera. E os cientistas começaram a entender que o mundo era governado por forças globais.
“Foi o primeiro evento que fez o mundo entender que era uma entidade interconectada”, disse Winchester. “Coisas que hoje a gente aceita naturalmente, como aquecimento global, aumento dos níveis do mar, tudo isso vem da percepção de um mundo interconectado que nasceu com a erupção do Krakatoa.”
Os efeitos da explosão de 27 de agosto de 1883 foram sentidos por muito tempo. A queda na temperatura média global no ano seguinte, chuvas recordes nos Estados Unidos e um aumento na concentração de ácido sulfúrico nas nuvens, tudo isso foi atribuído ao vulcão.
Há estimativas de que o clima só voltou ao normal cinco anos depois, em 1888.
O pôr do sol roxo, vermelho, laranja, infelizmente nunca mais deu as caras, mas a mesma ilha do Krakatoa voltou a causar destruição e mortes em 2018, com a erupção do Anak Krakatoa — nome indonésio que quer dizer “filho de Krakatoa”. O Anak Krakatoa emergiu da caldeira deixada pela explosão do Krakatoa em 1929, tem crescido em tamanho desde então e hoje tem cerca de 2 km de diâmetro.
Em dezembro passado, uma violenta erupção do Anak provocou um tsunami que matou quase 300 pessoas e deixou mais 1 mil feridos.
Por Terra
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